A condenação de Léo Lins e o risco de criminalizar a comédia
junho 05, 2025A recente condenação do comediante Léo Lins a mais de oito anos de prisão e multa pelo conteúdo de piadas em seu show “Perturbador” acendeu um alerta perigoso: o Brasil pode estar naturalizando a punição da comédia — uma das formas mais antigas e legítimas de crítica social.
Não se trata aqui de dizer que todas as piadas são boas, apropriadas ou engraçadas. Mas sim, reconhecer que a comédia é, por definição, uma arte exagerada, provocativa, que distorce a realidade para gerar impacto, riso e, muitas vezes, reflexão.
A comédia sempre foi perturbadora — e necessária
Na Grécia Antiga, Aristófanes já usava o riso como arma política. Em peças como As Nuvens ou Lisístrata, ele satirizava filósofos, militares e a guerra, colocando a comédia como linguagem de resistência.
Séculos depois, Molière, na França do século XVII, ironizava o moralismo e a hipocrisia burguesa com personagens como o falso devoto em O Tartufo. Era a crítica social travestida de riso — e não raro perseguida por isso.
No Brasil, gênios como Chico Anysio, Jô Soares e Ariano Suassuna entenderam e praticaram esse mesmo ofício: rir para expor, exagerar para revelar. Em Auto da Compadecida, por exemplo, a comédia é o pano de fundo para questionamentos morais, sociais e religiosos profundos.
Ou seja, o humor nunca foi sobre agradar — mas sim sobre tensionar. Ele não nasce da conveniência, mas do desconforto.
Piada é crime?
A questão que deveria ser feita não é “essa piada é boa?”, mas sim: existe dolo? Intenção de ofender alguém diretamente, fora do contexto cômico? No caso de Léo Lins, trata-se de um espetáculo artístico, com plateia pagante, com conteúdo anunciado e classificado como “humor negro” — ou seja, não há vítima direta, nem motivação discriminatória autônoma.
A criminalização nesse contexto é preocupante porque desconsidera o caráter da comédia como gênero artístico. Se a régua penal passa a ser aplicada sobre o conteúdo humorístico, corremos o risco de censurar toda forma de arte provocadora — música, teatro, literatura, cinema.
Um precedente perigoso
A decisão também escancara um problema jurídico de fundo: não há consenso claro sobre onde está o limite da liberdade de expressão artística. E quando esse limite é traçado conforme o gosto ou a sensibilidade momentânea, abre-se caminho para a arbitrariedade.
Ao condenar um comediante por piadas — por mais infelizes que possam parecer a alguns — o Judiciário transforma o gosto pessoal em régua jurídica. E isso coloca em xeque a própria democracia, cujo alicerce é a pluralidade de ideias e expressões, inclusive (e especialmente) as que incomodam.
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