Quando a vítima procura o agressor, ainda há crime por violação de medida protetiva?
maio 28, 2025📜 Quando a vítima procura o agressor, ainda há crime por violação de medida protetiva?
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) representa um importante avanço na proteção das mulheres em situação de violência. Entre os mecanismos de proteção previstos, estão as medidas protetivas de urgência, que podem impor ao agressor o afastamento do lar, a proibição de aproximação ou de contato com a vítima. O descumprimento dessas medidas é considerado crime, previsto no artigo 24-A da mesma lei, com pena de detenção de 3 meses a 2 anos.
Mas o que acontece quando é a própria vítima quem decide retomar o contato com o suposto agressor? Ainda assim, pode haver condenação por violação de medida protetiva?
Essa é uma questão delicada, e a jurisprudência começa a se consolidar no sentido de que nem toda reaproximação configura crime, especialmente quando a iniciativa parte da própria mulher.
Em setembro de 2023, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou um caso emblemático (AREsp 2.330.912/SP) e firmou entendimento de que não configura crime o contato com a vítima quando ela consente expressamente com a aproximação ou voluntariamente busca o réu. Para o STJ, nesse tipo de situação, não se pode falar em violação da medida protetiva, pois o bem jurídico tutelado – a integridade e segurança da vítima – não foi afetado pela vontade do réu, mas sim por uma decisão da própria mulher de retomar o vínculo.
🔍 Exemplo prático
No caso julgado, o réu havia sido proibido judicialmente de se aproximar da ex-companheira por força de medida protetiva. No entanto, foi a própria vítima quem procurou o acusado, enviando mensagens, indo até sua casa e iniciando conversas. Mesmo assim, ele foi denunciado por suposta violação da ordem judicial.
Ao analisar o recurso da defesa, o STJ entendeu que não seria razoável punir o réu por um contato provocado pela vítima. Como destacou o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, não se pode imputar ao acusado a responsabilidade por um contato que não partiu dele, nem foi forçado ou imposto.
Esse entendimento evita que o direito penal seja utilizado de forma automática, sem considerar o contexto e a realidade das relações interpessoais.
⚖️ Direito penal com responsabilidade
A decisão não ignora a importância da proteção oferecida pela medida, mas reconhece que o direito penal não pode ser instrumento para punir atos praticados sem dolo. Isso quer dizer que, se o réu não teve a intenção de descumprir a ordem judicial, mas apenas respondeu a uma reaproximação da vítima, não se configura o crime previsto no art. 24-A.
Além disso, a decisão destaca que o Judiciário deve observar a realidade dos relacionamentos humanos, muitas vezes marcados por idas e vindas, especialmente em vínculos afetivos. Ignorar a complexidade dessas relações e aplicar a lei de maneira mecânica pode resultar em injustiças e em uma criminalização indevida de condutas.
✅ Conclusão
O crime de violação de medida protetiva exige mais do que o simples fato de o agressor estar próximo da vítima: é necessário que haja dolo, ou seja, a intenção de descumprir a ordem judicial de afastamento. Se a vítima, de forma livre e consciente, retoma o contato com o réu ou consente com a aproximação, não há como imputar ao acusado a prática de um crime.
Essa interpretação garante que o direito penal atue com responsabilidade e proporcionalidade, respeitando os limites do devido processo legal e da culpabilidade.
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