Legislação Penal Extravagante: Resumo sobre a Lei de Drogas (atualização semanal)

setembro 15, 2025


INTRODUÇÃO


As drogas têm tomado cada vez mais espaço na nossa sociedade de forma avassaladora. Todas as pessoas são direta ou indiretamente afetadas pela ascensão do uso e do tráfico de drogas, seja pelo seu uso ou de um familiar, seja pela onda crescente de crimes que acontecem em decorrência das dívidas que os usuários têm com os traficantes que podem afetar você. 


Dentre as soluções para tentar conter o avanço deste problema de saúde pública está na lei e no ordenamento jurídico que vem se aperfeiçoando com o tempo (embora tenha muito o que melhorar ainda) para resguardar o usuário e punir o traficante com o rigor da lei.


Tudo começa pela Constituição Federal de 1988 que prevê algumas medidas de tratamento para como o crime de trafico de drogas, como por exemplo:

  • A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem (Art. 5, XLIII, CF);
  • Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei (Art. 5, LI, CF);
  • A elaboração por parte do governo de programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins (Art. 227, §3, VII, CF);
  •  Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei (Art. 243, parágrafo único, CF).

Além dessas previsões da nossa Carta Magna, ainda existe toda a Lei 11.343/2006, popularmente conhecida como Lei de Drogas ou Lei de Tóxicos que foi elaborada justamente para fins de política criminal em combate ao tráfico. 


Essa lei trouxe três grandes pilares sobre o tema das drogas. Vejamos:

  • Instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas;
  •  Protegeu o usuário de drogas;
  • Estabeleceu as normas de repressão ao tráfico, definindo as condutas criminosas que devem ser punidas pelo Estado.

Dito isso, é importante mencionar que antes da entrada em vigor desta lei, a matéria que regulamenta as drogas era a Lei 6.368/1976 que tinha um tratamento diferente, sendo mais brando com o traficante e mais severo com o usuário.


Dentre as principais mudanças de uma lei para outra temos o apenamento para o crime de tráfico que antes (Lei 6.368) era de 03 a 15 anos de reclusão e o pagamento de multa de 50 a 360 dias-multa e com a lei nova (Lei 11.343) passou a ser de 05 a 15 anos de reclusão e 500 a 1.500 dias-multa (entenda o que é dias multa clicando aqui).


Além desse endurecimento das penas, também sobreveio com a lei nova uma causa de diminuição da pena (popularmente chamada de tráfico privilegiado) onde a pena pode ser reduzida de 1/6 a 2/3 a depender do preenchimento de alguns requisitos.


No ordenamento jurídico brasileiro existe um princípio chamado de irretroatividade da lei, ou seja, lei nova não retroage para prejudicar o réu. Mas quem é estudante ou operador do direito sabe que existe uma exceção: a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu.


Sendo uma lei parcialmente mais benéfica, ela retroage na parte que beneficia


O atual entendimento superior dos Tribunais é de que uma lei não pode retroagir somente na parte mais benéfica, sendo que já existe a Súmula 501 do STJ sobre esse tema dizendo que a lei nova (11.343) só retroagirá se ela for integralmente mais benéfica, ficando proibido a combinação de leis em, favor do réu.


Particularmente, acredito que este entendimento ainda irá ser modificado futuramente, não tendo sido ainda por falta de casos concretos que possam ser levados e debatidos nos Tribunais Superiores. 


DEFINIÇÃO DE DROGAS


A lei prevê o seguinte quando institui o crime de Tráfico de Drogas: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar


São 18 condutas que podem caracterizar o crime de tráfico de drogas, mas fica a indagação: o que é droga?


Se você ler todos os artigos da Lei de Drogas, em nenhum momento ela diz ao leitor o que é considerado droga ou não para fins de punição. Isso no Direito Penal Brasileiro nós chamamos de norma penal em branco.


Norma penal em branco é aquela que “falta alguma coisa para conseguirmos entendê-la”. Ou seja, é aquela norma que literalmente está incompleta e necessita de uma complementação. 


No caso da Lei de Drogas a sua complementação necessária é para que saibamos o que é droga, pois para fins de punição dentro da justiça criminal não podemos ter um conceito subjetivo a critério de uma debate sobre o que é ou não droga, sob pena de criminalizar o que quisermos, incluindo a cafeína (rindo de nervoso). 


Para regulamentar a o que é droga foi editada a Portaria da ANVISA n. 344, vinculada ao Ministério da Saúde, nesta portaria você encontra TODAS as substâncias consideradas drogas para fins de repreensão criminal. 


A título de exemplo utilizo a maconha. A maconha é uma substância considerada ilícita e está sujeita às sanções do art. 33 da Lei de Drogas se utilizada para fins de traficância, no entanto você não encontrará na Portaria da ANVISA o nome “maconha”.


Isso porque, lá estão proscritas as substâncias ilícitas e não os produtos que são feitos com ela. Na maconha se encontra a substância TETRAHIDROCANABINOL (THC) que é descrita como droga na referida portaria. 


E assim funciona para todas as demais drogas. Se quiser saber se um produto é considerado droga para fins criminais descubra quais as substâncias existentes em sua composição e após procure na Portaria n. 344 da ANVISA.


O CONCEITO DE DROGAS É INCONSTITUCIONAL?


Existem doutrinadores que entendem que o conceito de drogas, dado através da ANVISA, é inconstitucional e eu partilho deste entendimento. 


Para entender esse posicionamento é preciso aprender as classificações das normas penais em branco que podem ser:

  • Homogêneas: a norma penal complementar tem a mesma fonte de criação que a norma penal em branco, ou seja, se a norma penal em branco é uma norma ordinária feita pelo Congresso Federal, a norma complementar também tem que ser;
  • Heterogêneas: a norma complementar tem fonte legislativa diferente da norma penal em branco. Por exemplo, a norma penal em branco é uma lei ordinária feita pelo Congresso Nacional e a complementar é feita por um órgão administrativo através de uma portaria. 

Parte dos doutrinadores entende que o conceito de drogas é inconstitucional, pois a matéria de drogas é uma matéria de politica criminal e no Brasil só quem tem legitimidade para dispor de matéria criminal é o Congresso Nacional, em outras palavras, só quem pode dizer o que é crime ou não, é o Congresso Nacional.


No entanto, a partir do momento que o Congresso diz que tráfico de “drogas” é crime e o conceito de drogas vem de uma portaria administrativa no poder Executivo, está sendo dado ao Executivo o poder de dizer o que é tráfico ou não, portanto estaria violando a competência privativa do Congresso de legislar sobre matéria criminal. 


É importante frisar que a matéria criminal seja de exclusiva competência do Congresso Federal, primeiro porque os trâmites são mais públicos, transparentes, demorados e debatidos. Segundo porque qualquer decisão que afete a matéria criminal não pode ficar a mercê de um “canetaço”.


A exemplo, cito que em 7 de dezembro de 2000 a ANVISA editou a resolução retirando da lista de substâncias proscritas o cloreto de etila (presente no que se chama Lança-perfume), porém foi novamente incluído em 15 de dezembro de 200. Nesse intervalo de 8 dias a droga lança perfume deixou de ser considerada droga e todas as pessoas presas e processadas por isso foram absolvidas e tudo isso aconteceu com apenas um canetaço. 


Reflita.


SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS - SISNAD


A Lei de Drogas (11.343/2006) instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) com a visão de combater o tráfico de drogas dando apoio aos usuários e dependentes químicos, bem como disseminar informação para tentar evitar que as pessoas se submetam ao uso de tais substâncias. 


O SISNAD tem por finalidade base duas funções: i) a prevenção do uso indevido e a reinserção social dos usuários e dependentes, e ii) a repressão da produção não autorizada e do tráfico de drogas.


Dito isso, a lei estabeleceu um importante sistema de proteção, acolhimento e combate às drogas que tem como membros atuantes o governo federal, os estados e os municípios, ou seja, todo mundo é envolvido (ou deveria) na luta contra as substâncias ilícitas.  


O SISNAD dentre outros tem os seguintes objetivos:


  • Contribuir para a inclusão social;
  • Promover a construção e a popularização do conhecimento sobre as drogas;
  • Promover a integração entre as políticas de prevenção e de combate às drogas;
  • Dentro desse sistema é necessário que para que ele funciona exista um plano a nível nacional de políticas sobre drogas e nesse sentido o art. 8-D da Lei de Drogas prevê objetivos para este plano nacional. Dentre esses objetivos que estão expresso na lei encontramos:
  • Promover a interdisciplinaridade e integração dos programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, educação, trabalho, assistência social, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção do uso de drogas, atenção e reinserção social dos usuários ou dependentes de drogas;
  • Viabilizar a ampla participação social na formulação, implementação e avaliação das políticas sobre drogas;
  • Priorizar programas, ações, atividades e projetos articulados com os estabelecimentos de ensino, com a sociedade e com a família para a prevenção do uso de drogas;
  • Ampliar as alternativas de inserção social e econômica do usuário ou dependente de drogas, promovendo programas que priorizem a melhoria de sua escolarização e a qualificação profissional;
  • Promover o acesso do usuário ou dependente de drogas a todos os serviços públicos;
  • Estabelecer diretrizes para garantir a efetividade dos programas, ações e projetos das políticas sobre drogas;
  • Fomentar a criação de serviço de atendimento telefônico com orientações e informações para apoio aos usuários ou dependentes de drogas;
  • Articular programas, ações e projetos de incentivo ao emprego, renda e capacitação para o trabalho, com objetivo de promover a inserção profissional da pessoa que haja cumprido o plano individual de atendimento nas fases de tratamento ou acolhimento;
  • Promover formas coletivas de organização para o trabalho, redes de economia solidária e o cooperativismo, como forma de promover autonomia ao usuário ou dependente de drogas egresso de tratamento ou acolhimento, observando-se as especificidades regionais;
  • Propor a formulação de políticas públicas que conduzam à efetivação das diretrizes e princípios previstos no art. 22;
  • Articular as instâncias de saúde, assistência social e de justiça no enfrentamento ao abuso de drogas; e
  • Promover estudos e avaliação dos resultados das políticas sobre drogas. 

Esse plano é tão importante para a sociedade que se cumprido e fiscalizado de forma adequada poderá trazer inúmeros benefícios para a sociedade como um todo, mas muito mais para aquelas famílias que diariamente têm intercorrências por causa da droga.


Chamo a atenção para este objetivo do plano: articular programas, ações e projetos de incentivo ao emprego, renda e capacitação para o trabalho, com objetivo de promover a inserção profissional da pessoa que haja cumprido o plano individual de atendimento nas fases de tratamento ou acolhimento.


Fica nítido nesse objetivo que a sociedade falha diuturnamente nos arredores dos centros urbanos ao falhar com emprego, renda, capacitação profissional etc, o que acaba levando - infelizmente - muitos jovens a ter o contato com substâncias psicoativas, seja para fugir da realidade em que vivem, seja para adquirir algum tipo de “status” social, sendo que tais fatores entendo ser o principal problema que leva os jovens ao uso indevido de drogas e que o plano traz de forma objetiva a resolução do problema. 


Muitas pessoas também não sabem que a Lei 13.840/2019 trouxe a instituição da semana nacional de política sobre drogas, tendo a seguinte finalidade:


  • Difusão de informações sobre os problemas decorrentes do uso de drogas;
  • Promoção de eventos para o debate público sobre as políticas sobre drogas;
  • Difusão de boas práticas de prevenção, tratamento, acolhimento e reinserção social e econômica de usuários de drogas;
  • Divulgação de iniciativas, ações e campanhas de prevenção do uso indevido de drogas;
  • Mobilização da comunidade para a participação nas ações de prevenção e enfrentamento às drogas;
  • Mobilização dos sistemas de ensino previstos na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na realização de atividades de prevenção ao uso de drogas.”  

O que demonstra, na teoria, a vontade de resolver o problema das drogas no país, o problema é que a lei sozinha não tem efetividade, é preciso que os órgãos responsáveis atuem, em especial, o Ministério Público, fiscal da lei, que muitas vezes sequer sabe da existência desta.


É importante mencionar que existe uma diferenciação entre usuário e dependente, pois aquele faz uso recreativo de forma eventual e controlada e este usa em demasia sem controle da própria vontade trazendo consigo todos os malefícios da drogadição.


Essa diferenciação é de suma importância porque existe a possibilidade de internação como forma de tratamento conforme a Lei 13.840/2019, contudo apenas para o dependente e não para o usuário. 


Existe essa diferença porque a internação pode se dar de forma voluntária, mas também de forma involuntária a pedido de familiares ou responsável legal, portanto é de suma importância que apenas o dependente possa assim ser cerceado nos seus direitos.


DOS CRIMES E DAS PENAS


Na Lei de Drogas os crimes estão separados em dois grupos, quais sejam: a) crimes destinados à prevenção do uso indevido e b) crimes destinados à repressão, à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas.


Dentro dessa divisão começaremos pelo crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas que trata do consumo pessoal. Embora em recente decisão do STF vincula o entendimento que descriminalizou a posse de maconha para uso pessoal, falarei sobre isso ao final desse tópico, pois o crime continua existindo, por enquanto, referente às outras substâncias ilícitas. 


DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL


A previsão desse crime está lá no art. 28 da LD (Lei de Drogas) que diz o seguinte: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas.


Prevendo as seguintes penalidades: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade, e III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.


Com o advento da Lei de Drogas de 2006 onde se afastou a pena privativa de liberdade para o usuário, tivemos um pequeno grande avanço social. Isso pois, o legislador entendeu que punir com prisão o usuário ou dependente de drogas causa problemas muito maiores para a sociedade do que as penas restritivas de direito a ele impostas. 


Punir com prisão os usuários e dependentes não traz benefício nenhum para a sociedade, pelo contrário, pois ao serem colocados em presídios junto com traficantes de verdade e outros criminosos fará com que esses indivíduos que já estão vulnerabilizados acabem intensificando o uso e, pior, se tornando “reféns” dos traficantes com quem dividirem cela. 


A realidade carcerária do Brasil é triste, pois em vez de serem locais de reinserção social são cada vez mais “escolas do crime” e nessa escola os usuários e dependentes acabam sendo obrigados a estudarem e pegarem seu próprio diploma.


“Ah, mas ninguém é obrigado a nada, é questão de escolha”.


Bom, depende do que você considera questão de escolha, mas uma vez que os presídios são dominados por facções criminosas e não pela força de segurança pública, talvez não se tenha muitas escolhas a  tomar para proteger a própria integridade física, em especial, a vida.


Como vimos, o art. 28 possui 5 possíveis condutas para que o crime aconteça:

  • adquirir;
  • guardar;
  • ter em depósito;
  • transportar;
  • trazer consigo.

Essas são as condutas pela qual o indivíduo que incorrer poderá  responder pelo crime. Mas é claro que, não apenas incorrer nessas condutas, mas além delas é preciso que a droga seja para consumo pessoal e que seja sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.


Veja-se um quadro explicativo:


Se você der check nesse quadro você cometeu o crime do art. 28 da Lei 11.343/2006 (lei de drogas).


IMPORTANTE FRISAR que as condutas são alternativas e não cumulativas, ou seja,  não é necessário que o indivíduo cometa as 5 condutas simultaneamente, mas sim apenas uma delas. 


Muito se discute no sistema judiciário a natureza jurídica deste fato (posse para consumo), pois se analisarmos as leis de introdução ao Direito Penal podemos perceber que crime é todo aquele fato punido com pena de reclusão ou detenção e contravenção penal são aquelas infrações punidas com prisão simples e/ou multa.


Dito isso, onde se encaixaria o crime de posse para consumo pessoal de drogas se ela não prevê pena de reclusão, detenção ou prisão simples? (aprenda a diferença entre os tipos de prisão clicando aqui).


Existem diversas teorias, mas a mais aceita, até então, é de que se trata de um crime “sui generis”, pois embora não preveja pena privativa de liberdade, ainda assim é um crime que foi “despenalizado”.


Há controvérsias sobre essa classificação porque ele não foi “despenalizado”, pois existe pena, porém são apenas restritivas de direitos e não privativas de liberdade. Há quem diga que houve uma “descaracterização” do conceito de crime, o que me parece mais plausível. 


QUEM É A VÍTIMA?


Quem seria a vítima nos crimes previstos na Lei de Drogas? O próprio usuário? Sua família que sofre as consequências desastrosas dos efeitos da droga?


Na doutrina prevalece que a vítima é a saúde pública. Ou seja, todos nós. E isso tem previsão no art. 196 e seguintes da Constituição Federal.


O CRIME DE POSSE PARA CONSUMO GERA REINCIDÊNCIA?


Depende.


O usuário ou dependente “condenado” pelo art. 28 da Lei de Drogas não será considerado reincidente para outros crimes, nem perderá o réu primário.


Porém, se cometer novamente o crime de posse para consumo pessoal será considerado reincidente específico e as penas de prestação de serviço a comunidade e medida socioeducativa terá o prazo máximo de cumprimento dobrado em caso de reincidência. 


A pessoa “condenada” pelo crime de posse para consumo poderá cumprir até 5 meses dessas penalidades, em caso de reincidência poderá cumprir até 10 meses. 


MAS AFINAL, QUAL O CRITÉRIO PARA DETERMINAR SE A DROGA É PARA CONSUMO PESSOAL OU NÃO?


Essa pergunta é a que mais causa embates entre promotores e advogados pois advém de critérios totalmente subjetivos.


Começa que não existe uma quantidade específica para determinar ser usuário ou traficante (lembrando que falarei ao final sobre a decisão de descriminalização do STF). 


A análise deve ser feita sobre os seguintes aspectos:

  • Natureza e quantidade da substância apreendida;
  • Local e condições em que se desenvolveu a ação;
  • Circunstâncias sociais, conduta e antecedentes da pessoa.

Com base nesses três critérios se decidirá se a pessoa é um traficante ou usuário/dependente de drogas. Mas é claro que a análise desses requisitos devem ser feitas de acordo com o caso concreto dentro de um contexto, seja de investigação criminal, seja de prisão em flagrante, pois não se tem uma resposta objetiva e catalogada para classificar uma pessoa como usuária ou traficante ainda que baseado nos tópicos acima. Explico.


Quanto a natureza e quantidade da substância apreendida é preciso entender que não existe um "marco divisor" entre tráfico e uso, ainda que o STF tenha entendido que até 40g de maconha é para uso pessoal (falarei disso ao final) ainda assim é preciso analisar o contexto. Isso porque é comum que usuários assíduos adquiram, por exemplo, 1 ou 2kg de maconha para estocar em casa e usar ao longo do mês, sendo que se abordado e revistado a quantia poderia indicar trafico, mas se trata de um usuário. Outrossim, é possível que uma pessoa abordada e revistada portando 5g de maconha pode ser considerada traficante se o contexto demonstrar, por exemplo, se ela tiver portando balança de precisão, esmurrugador, caderneta de anotações de venda, mensagens no telefone combinando a venda de 5g etc. Esse exemplo se aplica a qualquer tipo (natureza) de droga.  


É preciso entender que não basta que Fulano esteja com a quantidade X da droga X, é preciso analisar todo contexto dos fatos para poder entender o que estava acontecendo naquela circunstancia. 


Quanto ao local e condições que se desenvolveu a ação é preciso ter cautela ao analisar esse requisito, pois frequentemente é utilizado o local - boca de fumo - como justificativa para prender as pessoas com pequenas quantidades de drogas, mas é evidente que um usuário precisa se deslocar até uma boca de fumo para adquirir a sua droga para consumo pessoal e se for abordado quando estiver saindo do local com a droga recém comprada ainda embalada com dinheiro fracionado do troco aparentará ser traficante, quando na verdade é um usuário que acabou de sair do local da venda. Infelizmente quem trabalha com o dia a dia da justiça criminal se depara com inúmeras prisões (e condenações) nessas circunstâncias. 


Quanto as circunstâncias sociais, conduta e antecedentes da pessoa, o sistema judicial pode acabar criminalizando pessoas com base em sua origem, profissão, círculo social ou estilo de vida, e não pela conduta ilícita em si. Isso pode levar a uma discriminação velada, especialmente contra populações vulneráveis, como jovens de periferia.


A inclusão dos antecedentes criminais como critério para diferenciar usuário e traficante também é alvo de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade.


A Constituição Federal garante a presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII), o que significa que ninguém pode ser considerado culpado antes de uma condenação definitiva. Além disso, o STF já decidiu que os antecedentes criminais não podem ser usados para fundamentar uma condenação sem outros elementos concretos.


No caso da Lei de Drogas, ao permitir que antecedentes sejam levados em conta na diferenciação entre usuário e traficante, abre-se a possibilidade de que alguém seja enquadrado como traficante não por uma conduta atual, mas por um histórico criminal anterior, o que viola princípios constitucionais.


Outro ponto importante é que o reconhecimento de reincidência ou maus antecedentes só deveria ocorrer após o trânsito em julgado de uma condenação anterior, o que nem sempre é respeitado na prática. Isso pode levar à criminalização baseada em meras passagens pela polícia, sem que tenha havido condenação definitiva, sequer ação penal.


Na prática, esses critérios subjetivos acabam sendo interpretados de forma desigual pelo Judiciário. Um jovem de classe média flagrado com drogas pode ser tratado como usuário, enquanto um jovem de periferia na mesma situação pode ser enquadrado como traficante apenas pelo contexto social em que está inserido.


Além disso, há casos em que a própria jurisprudência reconhece que uma quantidade pequena de droga pode caracterizar tráfico com base nesses critérios subjetivos. Isso gera insegurança jurídica e, muitas vezes, fortalece um modelo de criminalização seletiva.


A utilização de critérios como circunstâncias sociais, conduta e antecedentes criminais para diferenciar usuário e traficante demonstra a permanência de resquícios do Direito Penal do Autor em nosso ordenamento. Isso não apenas contraria o princípio da legalidade e da presunção de inocência, mas também permite distorções na aplicação da lei, atingindo de forma desproporcional populações marginalizadas.


A crítica à inconstitucionalidade do uso de antecedentes nesse contexto reforça a necessidade de uma interpretação que respeite garantias fundamentais e assegure que ninguém seja condenado pelo que é, e sim pelo que fez. Para a defesa criminal, a contestação desses critérios deve ser um dos pontos centrais ao combater acusações de tráfico com base em presunções infundadas.


DO ONUS DA PROVA


No Direito Penal, o ônus da prova segue um princípio fundamental: cabe à acusação provar a culpa do réu, e não ao réu provar sua inocência. Esse conceito decorre do princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal:


"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."


No entanto, em processos de tráfico de drogas, esse princípio tem sido frequentemente desrespeitado. Muitas condenações são fundamentadas em uma inversão indevida do ônus da prova, onde se exige do acusado que ele demonstre que a droga era para consumo próprio, quando, na verdade, a responsabilidade de provar o tráfico recai exclusivamente sobre o Ministério Público.


Se existe algum tipo de incerteza quanto a finalidade da droga apreendida com o réu, a dúvida deve favorecer o réu, pois o principio que rege no Brasil é o in dubio pro reo e não o in dubio pau no reo.


A exigência de que o réu prove sua inocência, além de inconstitucional, abre um precedente perigoso. Se essa lógica for aplicada a outros crimes, qualquer pessoa acusada de um delito poderia ser condenada simplesmente por não conseguir provar que não cometeu o ato, quando, na verdade, a regra é que a acusação deve demonstrar a materialidade e a autoria do crime.


No tráfico de drogas, esse problema é ainda mais grave porque muitas condenações ocorrem com base em provas frágeis, como:

  • Depoimento exclusivo de policiais, sem outras provas materiais;
  • Critérios subjetivos, como local da apreensão e perfil do acusado;
  • Interpretação tendenciosa da quantidade da droga, ignorando a realidade do usuário dependente.

Quando o Judiciário exige que o acusado comprove seu próprio consumo, ele está presumindo sua culpa ao invés de exigir que a acusação demonstre o tráfico. Esse tipo de prática viola os direitos fundamentais e resulta em condenações injustas, especialmente contra jovens de periferia, onde a seletividade penal é mais evidente.


CULTIVO DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL


Até agora falamos da posse de drogas para uso pessoal, mas, seguindo essa lógica, é possível plantar maconha para consumo pessoal?


A previsão estão no art. 28, §1º que diz:

"Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica".

Assim como na posse para consumo, a plantação para consumo tem elementos objetivos, elemento subjetivo e elemento normativo. Veja-se:



Para que se enquadre no cultivo para consumo pessoal estes três elementos precisam estar presentes. Frisando que os elementos objetivos são alternativos, ou seja, é necessário apenas um deles estar presente. 

 As penalidades são as mesmas da posse para consumo pessoal, quais sejam:


  • Advertência sobre os efeitos das drogas;
  • Prestação de serviço à comunidade;
  • Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo


Essas penas podem serem aplicadas de forma isolada ou cumulativas, assim como podem ser substituídas a qualquer tempo. Isso quer dizer que o juiz pode aplicar apenas advertência ou, se entender necessário advertência e serviço a comunidade etc, tudo isso levando em conta o caso concreto.


A substituição da pena é possível porque pode acontecer, por exemplo, de um usuário ser condenado a prestação de serviço à comunidade de segunda a sexta-feira, no entanto este consegue um emprego de carteira assinada que irá lhe sustentar, inclusive, a sair do vício, sendo assim é possível requerer ao juiz a substituição ou por serviço à comunidade aos finais de semana ou medida educativa etc.


DA PENA DE ADVERTÊNCIA


A advertência nada mais é do que um "xingão", tecnicamente chamado de admoestação ou repreensão, que o usuário leva do juiz acerca dos malefícios das drogas à sua saúde, a sua família e à coletividade.


Essa sanção deve ser aplicada apenas e tão somente pelo juiz de direito e uma audiência designada especialmente para essa finalidade. Essa audiência é chamada de audiência admonitória. 


Ao juiz ainda é permitido, caso queira, a utilização de vídeos, áudios, imagens, cartilhas etc sobre drogadição e uso de drogas, assim como é permitida a participação nessas audiências de profissionais habilitados na questão de drogas, como por exemplo, psicólogos, assistentes sociais etc.


DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO A COMUNIDADE


Na Lei de Drogas, a prestação de serviços à comunidade é prevista como uma das sanções aplicáveis ao usuário de drogas, conforme estabelece o artigo 28, inciso II.


Diferente das penas privativas de liberdade, essa medida busca uma abordagem educativa, voltada para a conscientização do condenado sobre os riscos do consumo de entorpecentes. Dessa forma, o indivíduo condenado por portar drogas para uso pessoal não é submetido a penas restritivas de liberdade, mas sim a medidas alternativas que visam sua reeducação e ressocialização.


A duração dessa prestação de serviço varia de 5 a 10 meses, sendo que, em caso de reincidência específica, o tempo máximo da pena pode ser aplicado. O cumprimento da sanção deve ocorrer em locais com fins sociais, como entidades assistenciais, hospitais e escolas, conforme determinado pelo juiz.


Caso o condenado descumpra a prestação de serviço, poderá ser advertido ou compelido a frequentar programas educativos sobre drogas, mas jamais sofrerá conversão da pena para privação de liberdade. Além disso, a condenação pelo artigo 28 da Lei de Drogas não gera antecedentes criminais, evitando que o indivíduo seja formalmente considerado reincidente para fins penais.


Veja um quadro comparativo entre a prestação de serviço à comunidade prevista na lei de drogas e a prevista no Código Penal:



DA MEDIDA EDUCATIVA

A medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, prevista no artigo 28, inciso III, da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), é uma das penas aplicáveis ao usuário de drogas. Essa sanção tem como principal objetivo a conscientização do condenado sobre os riscos e consequências do uso de entorpecentes, adotando uma abordagem educativa e preventiva em vez de punitiva.

Diferente do que ocorre em crimes mais graves, onde a pena tem um caráter repressivo, a Lei de Drogas estabelece que o usuário deve ser submetido a medidas que busquem orientá-lo sobre os efeitos das substâncias ilícitas. O comparecimento a programas ou cursos educativos é uma dessas formas, funcionando como uma alternativa à pena privativa de liberdade. Ao obrigar o condenado a frequentar essas atividades, o legislador pretende promover o conhecimento sobre os danos causados pelo consumo de drogas, tanto no aspecto individual, quanto no coletivo.

A lei não especifica a duração exata da medida, cabendo ao juiz determinar o tempo adequado com base no caso concreto. Geralmente, essa medida é aplicada em conjunto com outras sanções previstas no artigo 28, como a advertência sobre os efeitos das drogas ou a prestação de serviços à comunidade. Caso o condenado descumpra a determinação judicial, o juiz pode aplicar outra sanção prevista no mesmo artigo, mas nunca converter a pena em privação de liberdade.

Uma característica importante dessa medida é que ela não gera antecedentes criminais, pois a intenção do legislador foi evitar a estigmatização do usuário e impedir que ele seja equiparado a um traficante ou criminoso. Essa distinção reforça a ideia de que a posse de drogas para consumo pessoal não deve ser tratada como um crime comum, mas sim como uma questão de saúde pública.

DO DESCUMPRIMENTO DA PENA

Como estamos falando de usuários de drogas e dependentes químicos é extremamente comum o individuo descumprir as penas impostas, principalmente aquela tocante a prestação de serviço a comunidade. 

Quando um indivíduo descumpre as penalidades impostas pelo artigo 28 da LD, que trata da posse de drogas para consumo pessoal, o juiz pode adotar algumas medidas para garantir o cumprimento da sanção. Como esse crime não prevê pena privativa de liberdade, as consequências do descumprimento envolvem a aplicação de medidas alternativas dentro das sanções já previstas na lei.

Inicialmente, o juiz pode advertir novamente o infrator, reforçando a necessidade de cumprir a pena imposta. Caso isso não seja suficiente, pode haver a substituição da penalidade, como converter a prestação de serviços à comunidade em comparecimento obrigatório a programas ou cursos educativos ou vice-versa. Se mesmo assim houver resistência ao cumprimento da pena, o magistrado pode impor uma multa, conforme previsto no artigo 29 da mesma lei.

Embora a Lei de Drogas não traga expressamente a possibilidade de prisão para quem descumpre essas penalidades, há discussões doutrinárias sobre a aplicação do crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal. No entanto pela finalidade da LD no que diz respeito ao usuário é inconcebível cogitar tal possibilidade, pois o crime de desobediência prevê pena privativa de liberdade o que é pacificamente vedado ao usuário.

DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO


É competente para análise do caso o Juizado Especial Criminal (JECRIM) com o rito da Lei 9.099/95, pois essa lei prevê  como crime de menor potencial ofensivo (art. 61) aqueles com pena privativa de liberdade máxima de até 02 (dois), logo seria ilógico que crimes com uma pena de até 2 anos sejam de menor potencial ofensivo e a posse para consumo que sequer prevê pena privativa de liberdade não fosse. 


Sendo assim o processo será regido pelo JECRIM onde o acusado será intimado para uma primeira audiência preliminar onde o Ministério Público (MP) poderá oferecer uma transação penal para encerrar o processo.


Transação penal é um "acordo" onde o MP oferece algumas condições para o acusado cumprir e o processo encerra ali mesmo, não vai para a frente. Essas condições variam, mas em regra são serviço a comunidade ou pagamento de cestas básicas. Caso o acusado aceite e não cumpra com o acordado na transação o processo continuará nos trâmites normais com decisão do juiz ao final absolvendo ou condenando o acusado nas penas já vistas acima do art. 28 da LD.


Sempre é preciso levar em consideração o caso concreto, mas no caso de audiência preliminares por causa da posse de drogas não existe muita vantagem em aceitar a transação, pois ao final existe a possibilidade de absolvição ou, se vier condenação, será uma admoestação, serviço a comunidade ou frequentar cursos educativos sobre os efeitos da droga, logo não há tanto benefício em aceitar a transação.


O ponto positivo de comparecer na audiência preliminar e para aceitar uma transação penal é poder dialogar com o MP para chegar em um acordo bom para ambas as partes, pois se for continuar o processo não se tem como saber o que virá na decisão judicial. 


QUAIS SÃO OS PRAZOS MÁXIMOS DAS PENAS?


Relembrando quais são as penalidades para o usuário:


  • Advertência sobre os efeitos das drogas;
  • Prestação de serviço à comunidade;
  • Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo

A advertência tem caráter instantâneo, ou seja, assim que o individuo receber a advertência a pena está cumprida. Já as outras duas penalidades tem o prazo máximo de 5 (cinco) meses para primários e 10 (dez) meses para reincidentes específicos nestas tipificações do consumo próprio.


DA PRESCRIÇÃO PARA O CRIME DE CONSUMO


Se você não lembra (ou não viu) o que é prescrição retomo a você que a prescrição penal é um instituto do Direito Penal que determina a perda do poder punitivo do Estado pelo decurso do tempo. Em outras palavras, significa que, após um determinado prazo, o Estado perde o direito de punir o agente pelo crime cometido. Esse prazo varia conforme a pena máxima prevista para o delito e tem como fundamento a segurança jurídica e a necessidade de estabilizar as relações sociais. A prescrição existe porque, com o passar do tempo, a reprovação social do crime diminui, as provas podem se tornar frágeis e a punição pode perder sua função ressocializadora. Assim, ao definir prazos para a persecução penal, a legislação busca equilibrar a necessidade de punir com a garantia de que o processo não se arraste indefinidamente.


Tenho um mini curso sobre prescrição no meu canal do YouTube (clique aqui).


Dito isso, na Lei de Drogas (LD) a prescrição para o crime de consumo próprio é de 2 (dois) anos. É importante frisar porque no Código Penal o art. 109 contém as prazos prescricionais e o mínimo é de 3 (três) anos para os crimes com a pena máxima inferior a um ano. No entanto, o prazo de dois anos é previsto no art. 30 da LD. Fique atento.


Ademais, as outras disposições da prescrição como as causas interruptivas e prazo pela metade que estão previstas no Código Penal se aplicam aqui também.


DA REPRESSÃO À PRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA E AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS


O legislador previu diversos crimes para tentar coibir a traficância e a produção ilícita de drogas, antes de entrarmos em cada crime segue abaixo a lista de todos os crimes previstos na lei de drogas:


  • Tráfico de drogas;
  • Tráfico de matéria prima;
  • Cultivo de plantas para o tráfico de drogas;
  • Utilização de local para fins de tráfico;
  • Participação no uso indevido de drogas;
  • Cessão gratuita eventual de drogas para uso compartilhado;
  • Tráfico de maquinários para a fabricação de drogas;
  • Colaboração como informante;
  • Prescrição ou ministração culposa de drogas;
  • Condução de embarcação ou aeronave sob a influencia de drogas;

DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (art. 33, caput, LD)


O crime de tráfico de drogas é um dos mais severamente punidos pela legislação brasileira. Previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, ele engloba diversas condutas ilícitas (18) relacionadas às drogas, desde a produção até a distribuição. Vamos analisar detalhadamente esse crime, explicando seu conceito, os sujeitos, os bens jurídicos protegidos e os princípios aplicáveis, além de trazer exemplos para facilitar o entendimento.


Bem jurídico tutelado


O bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de drogas é a saúde pública. Isso significa que a criminalização dessa conduta tem como objetivo evitar os danos que as drogas podem causar à coletividade, indo além da proteção individual do usuário. A justificativa para essa proteção coletiva é que o tráfico aumenta a oferta de substâncias ilícitas, incentivando o consumo e, consequentemente, os impactos sociais e de saúde.


Além da saúde pública, o tráfico de drogas pode ter impactos indiretos na segurança pública, já que muitas organizações criminosas utilizam essa atividade como fonte de financiamento.


Sujeitos do crime


Sujeito ativo: O crime de tráfico de drogas é um crime comum, ou seja, qualquer pessoa pode praticá-lo, independentemente de idade, profissão ou status social.


No entanto, em algumas situações, o sujeito pode ser alguém com uma posição específica, como um médico que prescreve drogas sem necessidade ou um farmacêutico que vende substâncias controladas ilegalmente.


Sujeito passivo: O sujeito passivo principal é a coletividade, pois o tráfico de drogas afeta a sociedade como um todo e tem como vítima a saúde pública.


A lei lista diversas condutas que podem configurar o tráfico. Vamos analisá-las com exemplos:

  • Importar: Trazer drogas do exterior para o Brasil.
    • Exemplo: Um indivíduo que traz cocaína da Colômbia para revender no Brasil.
  • Exportar: Enviar drogas do Brasil para outro país.
    • Exemplo: Alguém que envia maconha para a Europa escondida em encomendas.
  • Remeter: Enviar drogas para outra pessoa, mesmo dentro do Brasil.
    • Exemplo: Um sujeito que coloca LSD em uma encomenda para outro estado.
  • Preparar: Modificar a droga para consumo ou comercialização.
    • Exemplo: Um traficante que mistura cocaína com outras substâncias para aumentar o volume da droga.
  • Produzir: Fabricar drogas a partir de insumos químicos ou naturais.
    • Exemplo: Alguém que instala um laboratório clandestino para fabricar ecstasy.
  • Fabricar: Criar drogas de forma industrial ou artesanal.
    • Exemplo: Um indivíduo que produz crack a partir da cocaína em um laboratório improvisado.
  • Adquirir: Comprar drogas para distribuir ou revender.
    • Exemplo: Um traficante que compra maconha de outro fornecedor para revender na sua cidade.
  • Vender: Comercializar drogas ilícitas.
    • Exemplo: Um traficante que vende cocaína em festas.
  • Expor à venda: Anunciar drogas para comercialização.
    • Exemplo: Alguém que oferece drogas em redes sociais ou aplicativos.
  • Oferecer: Disponibilizar drogas para outras pessoas, mesmo sem pagamento.
    • Exemplo: Um sujeito que dá maconha para amigos em uma festa.
  • Ter em depósito: Guardar drogas para futura distribuição.
    • Exemplo: Alguém que mantém uma grande quantidade de drogas escondida em casa.
  • Transportar: Levar drogas de um lugar para outro.
    • Exemplo: Um motoboy que carrega pacotes de cocaína escondidos na mochila.
  • Trazer consigo: Portar drogas para entrega ou venda.
    • Exemplo: Uma pessoa flagrada com várias porções de crack no bolso, destinadas ao tráfico.
  • Guardar: Manter drogas em um local seguro.
    • Exemplo: Um indivíduo que esconde drogas na casa de um amigo.
  • Prescrever: Médicos que receitam drogas sem necessidade.
    • Exemplo: Um profissional da saúde que receita remédios controlados para dependentes sem justificativa médica.
  • Ministrar: Administrar drogas a outra pessoa sem autorização.
    • Exemplo: Um indivíduo que injeta heroína em um terceiro.
  • Entregar a consumo: Fornecer drogas para que outra pessoa use.
    • Exemplo: Alguém que distribui drogas em um evento.
  • Fornecer, ainda que gratuitamente: Distribuir drogas sem cobrar nada.
    • Exemplo: Um estudante que compartilha ecstasy com amigos na balada.

O artigo 33 lista 18 verbos que descrevem as condutas que configuram o tráfico. Não é necessário praticar mais de uma delas para a configuração do crime; basta uma só.


Por exemplo, alguém que vende drogas já pode ser enquadrado no tráfico, sem precisar também transportá-las, armazená-las ou distribuí-las.


Se a mesma pessoa praticar mais de uma dessas ações, será um único crime, e não crimes distintos. Exemplo: Se um traficante compra, transporta e vende cocaína, ele responderá apenas por um crime de tráfico, pois todas essas condutas fazem parte de uma mesma atividade ilícita.


Consequências jurídicas do tráfico de drogas

  • Pena de 5 a 15 anos de reclusão
  • Regime inicial fechado (salvo em casos específicos)
  • Proibição de substituição da pena por restritiva de direito
  • Possibilidade de aumento de pena em casos específicos (ex: tráfico interestadual, uso de menores para o crime, participação de organização criminosa, etc.)


O princípio da insignificância no tráfico de drogas


O princípio da insignificância estabelece que não há crime quando a conduta é irrelevante para o direito penal, ou seja, quando a lesão ao bem jurídico é mínima. Esse princípio é muito aplicado em crimes patrimoniais, como furtos de objetos de pequeno valor, mas tem pouca aplicação em crimes relacionados ao tráfico de drogas.


Isso ocorre porque a saúde pública é o bem jurídico protegido, e o entendimento predominante nos tribunais é de que qualquer quantidade de droga destinada ao tráfico já representa um risco à sociedade.


Da prova pericial


A prova pericial é uma das ferramentas mais relevantes no processo penal quando se trata da Lei de Drogas. Ela serve para confirmar tecnicamente que a substância apreendida é, de fato, uma droga ilícita. Esse exame, normalmente feito por um perito oficial do Estado, é chamado de perícia química toxicológica e tem a função de identificar o tipo, a natureza e a quantidade da substância envolvida no caso.


A importância dessa prova é evidente: sem ela, não há como se afirmar, com a certeza exigida no processo penal, que houve um crime de tráfico ou mesmo de posse de drogas. O exame toxicológico é quem atesta se aquela substância apreendida corresponde, por exemplo, à maconha, cocaína, crack ou qualquer outro entorpecente previsto em lei. É a partir desse laudo que se estabelece a materialidade do delito.


Quando há uma apreensão, o ideal é que, logo após, seja elaborado o chamado auto de constatação provisória, ou seja, uma verificação inicial, feita por perito ou policial treinado, que serve para antecipar a identificação da substância. No entanto, esse auto não substitui a perícia definitiva. O laudo oficial, feito por laboratório ou instituto técnico habilitado, que no caso no Rio Grande do Sul é o Instituto Geral de Perícias (IGP), é o documento necessário para que se configure a prova concreta do crime.


A ausência dessa perícia gera um problema grave: sem laudo, não há prova da materialidade, e isso pode e deve levar à absolvição do acusado. O entendimento consolidado tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Superior Tribunal de Justiça é de que a perícia é indispensável nos crimes previstos na Lei de Drogas. Em outras palavras, ninguém pode ser condenado com base apenas em suspeitas ou declarações de policiais sobre a aparência da substância.


Mais do que isso, a perícia também é essencial para diferenciar o usuário do traficante. A quantidade apreendida, por exemplo, é um dos critérios previstos no artigo 28, parágrafo 2º, da Lei de Drogas, e influencia diretamente na classificação da conduta como uso pessoal ou tráfico. Quando não se realiza a perícia corretamente, essa diferenciação se torna arbitrária e baseada apenas em presunções.


É importante lembrar que o processo penal deve respeitar o princípio da legalidade e da presunção de inocência. Condenar alguém sem laudo pericial, apenas com base em uma aparência visual ou em um relato policial, é violar esses princípios e abrir caminho para erros judiciários. A prova pericial não é apenas um requisito técnico: ela é uma garantia de que o julgamento está baseado em elementos concretos, e não em suposições.


Do crime permanente


Um dos conceitos mais importantes dentro da teoria do crime, especialmente quando se estuda a Lei de Drogas ou atua na prática penal, é o de crime permanente. Trata-se de uma categoria que impacta diretamente questões como flagrante, prescrição, competência e até a possibilidade de entrada forçada em domicílio. Por isso, é essencial que o operador do Direito compreenda exatamente o que caracteriza essa figura.


O crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo. Em outras palavras, a situação típica e antijurídica se mantém de forma contínua por vontade do agente. A permanência do crime não decorre de um efeito posterior da conduta (como ocorre nos crimes instantâneos de efeitos permanentes), mas sim da manutenção da conduta típica. Um exemplo clássico é o sequestro: enquanto a vítima permanece em poder do sequestrador, o crime continua em curso, em estado de consumação.


Na Lei de Drogas, o exemplo mais relevante de crime permanente é o tráfico de drogas, em especial nas condutas de guardar ou ter em depósito entorpecentes para fins de comercialização. Enquanto a droga estiver em poder do agente com essa finalidade, o crime se mantém em consumação. Isso justifica, por exemplo, a possibilidade de flagrante mesmo dias após a aquisição da droga, desde que ela ainda esteja sob a guarda do agente. A doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem que o flagrante é possível durante toda a permanência do delito.


Essa característica do crime permanente gera efeitos práticos importantes. O primeiro deles é a prorrogação do prazo de flagrante. De acordo com o artigo 302 do Código de Processo Penal, considera-se em flagrante quem está cometendo o crime ou acaba de cometê-lo. No crime permanente, entende-se que o agente “está cometendo o crime” enquanto a situação ilegal persiste, o que justifica a atuação policial mesmo dias após o início da conduta, sem a necessidade de mandado judicial.


No entanto, é essencial entender que esse entendimento não autoriza a violação irrestrita de domicílio. A Constituição Federal é clara ao estabelecer, no artigo 5º, inciso XI, que a casa é asilo inviolável do indivíduo, salvo em situações de flagrante delito, desastre, socorro ou durante o dia por determinação judicial. Assim, mesmo nos crimes permanentes, a entrada forçada em domicílio só é legítima quando houver elementos concretos e objetivos que indiquem a ocorrência atual do crime.


Denúncia anônima ou mera suspeita não bastam. A polícia não pode se basear apenas em uma informação vaga ou em boatos para entrar em um imóvel. A legalidade da entrada - e, consequentemente, das provas colhidas - depende da existência de indícios reais e verificáveis de que o crime está em curso. A posterior apreensão de drogas dentro do imóvel não “convalida” uma entrada ilegal. Se não havia elementos prévios suficientes que justificassem a ação policial, a prova será considerada ilícita, contaminando todo o processo e podendo levar à absolvição do réu.


O Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido, ressaltando que a proteção ao domicílio não pode ser relativizada com base em meras conjecturas. A entrada sem mandado só será válida quando houver fundadas razões para crer que o crime permanente está acontecendo naquele exato momento, sendo essencial que tais razões estejam devidamente documentadas e fundamentadas, inclusive para posterior controle judicial.


Por fim, a prescrição também é influenciada pela natureza permanente do crime. Isso porque o prazo prescricional só começa a correr a partir do momento em que cessa a permanência, ou seja, quando o crime deixa de ser praticado. No tráfico, por exemplo, se a droga foi apreendida em determinado dia, é esse o marco inicial para contagem da prescrição, considerando-se que a conduta cessou naquele momento.


Da sanção penal do crime de tráfico de drogas


O crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, é um dos delitos mais severamente punidos pela legislação penal brasileira, refletindo a política de endurecimento no combate à criminalidade relacionada às substâncias entorpecentes. A pena cominada é de 5 a 15 anos de reclusão, cumulada com 500 a 1.500 dias-multa, demonstrando o caráter gravoso da infração.


Essa sanção penal, no entanto, não pode ser analisada isoladamente. É preciso compreender todas as consequências jurídicas decorrentes da condenação por tráfico de drogas, inclusive aquelas que limitam ou impedem benefícios penais e processuais.


A primeira observação importante é que o tráfico de drogas foi equiparado a crime hediondo, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e do art. 2º da Lei 8.072/90. Isso implica uma série de restrições, como a vedação à concessão de graça, anistia e indulto, além da imposição de regime inicial fechado para o cumprimento da pena, salvo em hipóteses excepcionais devidamente fundamentadas pelo julgador. Embora o Supremo Tribunal Federal tenha relativizado a obrigatoriedade, a jurisprudência majoritária continua exigindo fundamentação robusta para eventual aplicação de regime mais brando.


Além disso, a pena prevista impede a substituição por restritivas de direitos, uma vez que o art. 44, inciso I, do Código Penal exige pena inferior a quatro anos para que tal benefício seja possível. Da mesma forma, não se aplica o sursis, nem a suspensão condicional do processo, tampouco a transação penal, já que todas essas possibilidades exigem patamares de pena significativamente menores do que o mínimo previsto para o tráfico.


Vale lembrar que o condenado por tráfico terá registro de antecedentes criminais e perderá a condição de primário, o que afetará eventuais benefícios em futuros processos.


O condenado por tráfico de drogas, portanto, estará sujeito a uma série de consequências penais rígidas, que refletem a opção legislativa por tratar esse delito com extremo rigor. Essa rigidez, contudo, tem sido objeto de críticas de diversos setores da doutrina, especialmente diante da seletividade penal que marca a aplicação prática da Lei de Drogas no Brasil, atingindo com mais frequência os indivíduos vulneráveis social e economicamente, sem que isso signifique, necessariamente, um efetivo combate às grandes organizações criminosas.


🚫 O que NÃO pode para o condenado por tráfico


❌ Substituição por pena restritiva de direitos, porque a pena ultrapassa 04 (quatro) anos, a não ser que seja aplicado o §4º do art. 33.

❌ Transação penal porque não é crime de menor potencial ofensivo;

❌ Indulto, graça ou anistia (regra geral) porque é hediondo;

❌ Suspensão do processo porque a pena mínima é superior a 01 (um) ano.


DO CRIME DE TRÁFICO DE MATÉRIA-PRIMA (art. 33, §1º, I, LD)


Além das 18 condutas típicas previstas no caput do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, o legislador optou por detalhar, no §1º do mesmo artigo, outras hipóteses que também configuram tráfico de drogas, mas com enfoque em etapas anteriores à distribuição da substância ilícita. O inciso I do referido parágrafo trata do chamado tráfico de matéria-prima, que consiste em:


“Importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas”.


Trata-se de uma forma autônoma de tráfico, cuja gravidade é equivalente à do tráfico de drogas em si, inclusive no tocante à pena, pois se sujeita às mesmas sanções do caput: reclusão de 5 a 15 anos, além de multa de 500 a 1.500 dias-multa.


O bem jurídico tutelado permanece sendo a saúde pública, já que o fornecimento dos insumos é etapa fundamental para viabilizar a produção da substância entorpecente.


O diferencial deste inciso é o foco na cadeia produtiva das drogas, punindo aquele que, mesmo não lidando diretamente com a substância ilícita, fornece os meios para sua fabricação. Assim, ainda que não haja contato com a droga pronta para consumo, basta que o produto químico ou insumo tenha a finalidade de ser utilizado para esse fim.


A norma, contudo, exige a comprovação da destinação ilícita da matéria-prima. Ou seja, é necessário demonstrar que o agente sabia ou tinha ciência de que o insumo seria utilizado para o preparo de entorpecentes. O simples comércio de produtos químicos, por si só, não configura crime. Há, portanto, um elemento subjetivo específico: o dolo deve estar direcionado à finalidade ilegal da substância.


Como exemplo prático, pode-se citar o caso do indivíduo que comercializa éter, acetona ou ácido clorídrico, substâncias frequentemente usadas no refino da cocaína. Se restar provado que tais produtos foram fornecidos com conhecimento de seu uso ilícito, o agente responderá pelo crime do §1º, I. Da mesma forma, a guarda ou o transporte dessas substâncias com a finalidade de fabricação de drogas também configura o delito.


Nesse contexto, surge uma relevante controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto à criminalização da semente de maconha. Isso porque a semente da Cannabis Sativa não contém o princípio ativo THC (tetrahidrocanabinol), responsável pelos efeitos psicoativos da planta. Por essa razão, parte da doutrina entende que a semente, por não possuir substância entorpecente em si, não pode ser considerada droga nem matéria-prima destinada à preparação de droga, e, portanto, não configura crime sua posse ou aquisição.


De outro lado, há posicionamento divergente que sustenta que a semente, embora inerte do ponto de vista psicoativo, é essencial para o cultivo da planta, e que sua posse ou importação representa ato preparatório com dolo evidente de posterior produção de entorpecente, o que justificaria a aplicação do §1º, I.


Na jurisprudência, o entendimento não é pacífico. Em alguns julgados, Tribunais Superiores anularam condenações com base no argumento de que a semente de maconha não está incluída na lista da Portaria nº 344 da ANVISA, tampouco possui efeito entorpecente por si só. Em outros casos, no entanto, foram mantidas decisões de condenação pela posse ou importação de sementes, especialmente quando acompanhadas de outros elementos que indicavam a finalidade de cultivo com fins ilícitos.


Por se tratar de crime equiparado a hediondo, todas as consequências jurídicas aplicáveis ao tráfico de drogas também se estendem a esta modalidade: regime inicial fechado, vedação de benefícios, progressão mais rígida e restrições de natureza penal e processual. 


Importante destacar que, assim como no tráfico de drogas propriamente dito, é possível a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33, desde que preenchidos os requisitos legais. Assim, se o agente for primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, a pena poderá ser reduzida de 1/6 a 2/3, o que pode afastar a equiparação à hediondez e abrir portas para benefícios penais.


Portanto, o tráfico de matéria-prima para drogas é uma modalidade muitas vezes menos conhecida, mas igualmente relevante dentro da repressão penal às drogas, uma vez que atua na raiz da produção ilícita, buscando frear o acesso aos meios utilizados para fabricar substâncias proibidas. Em termos processuais e penais, seu tratamento é idêntico ao tráfico de drogas convencional, o que reforça a política criminal de combate abrangente à cadeia produtiva do entorpecente.


DO CRIME DE CULTIVO DE PLANTAS PARA O TRÁFICO DE DROGAS (art. 33, §1º, II, LD)


O inciso II do §1º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 trata de forma autônoma da conduta de semear, cultivar ou fazer a colheita de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas, quando realizada sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Trata-se de uma figura penal que antecede o tráfico propriamente dito, focando em uma das etapas iniciais da cadeia de produção de entorpecentes.


A conduta típica inclui três verbos nucleares: semear, cultivar e colher. Abrange, portanto, desde o momento em que a planta é introduzida no solo (ou em outro meio de germinação), passando pelo seu desenvolvimento e cuidado, até a retirada da substância vegetal. A criminalização atinge qualquer fase desse processo, bastando que a finalidade seja a obtenção de matéria-prima destinada à fabricação de drogas.


É imprescindível, no entanto, que o cultivo seja feito sem a devida autorização da autoridade competente, como a ANVISA ou o Ministério da Saúde. Há hipóteses em que o cultivo de certas plantas (como a Cannabis sativa) é permitido para fins científicos, medicinais ou industriais, desde que previamente autorizado e fiscalizado. Fora dessas hipóteses, a conduta é típica e sujeita à sanção penal.


O bem jurídico protegido segue sendo a saúde pública, pois o cultivo ilegal de plantas psicoativas representa uma ameaça à coletividade, por viabilizar a posterior produção e circulação de substâncias entorpecentes. A lei busca, portanto, reprimir não só o comércio final da droga, mas também sua origem, impedindo que a droga sequer venha a existir.


É importante diferenciar o crime do inciso II da hipótese de cultivo para consumo pessoal, prevista no §2º do art. 28 da mesma lei. A distinção está na finalidade do cultivo: se for comprovado que a planta se destinava exclusivamente ao uso próprio, aplica-se o art. 28, com medidas alternativas. Por outro lado, se o cultivo tiver como finalidade a entrega a terceiros, comercialização ou qualquer outro fim ligado ao tráfico, incide o §1º, II.


A finalidade do cultivo, portanto, precisa ser demonstrada com base no conjunto probatório. Indícios como a quantidade de plantas, o modo de cultivo, a existência de estufas, fertilizantes, sistemas de iluminação e ventilação, além de elementos que indiquem divisão para venda, como balanças de precisão, embalagens e anotações de contabilidade, carteira de clientes etc, são utilizados para diferenciar o cultivo para uso pessoal daquele voltado ao tráfico.


A pena é a mesma prevista no caput do art. 33: reclusão de 5 a 15 anos, além de 500 a 1.500 dias-multa. Por se tratar de modalidade de tráfico, o crime é equiparado a hediondo, nos termos do art. 5º, XLIII, da Constituição Federal e do art. 2º da Lei 8.072/1990, com todas as consequências processuais e penais associadas: regime inicial fechado (se a pena for superior a 8 anos), progressão mais rígida, vedação de anistia, graça e indulto, e impossibilidade de substituição da pena por restritivas de direitos, salvo se houver o reconhecimento da causa de diminuição do §4º.


Assim como nas demais formas de tráfico, é possível o reconhecimento do tráfico privilegiado, desde que presentes os requisitos cumulativos: primariedade, bons antecedentes, ausência de dedicação a atividades criminosas e não integração em organização criminosa. Nesse caso, o juiz poderá reduzir a pena de 1/6 a 2/3, afastando a natureza hedionda e flexibilizando o regime de cumprimento.


Na prática forense, é comum que advogados e advogadas enfrentem acusações baseadas no inciso II quando há apreensão de plantas de cannabis cultivadas em ambientes domésticos. Em muitos desses casos, a defesa técnica deve demonstrar que a finalidade do cultivo era o uso próprio, cabendo ao Ministério Público o ônus da prova de que a plantação visava à preparação de droga para terceiros.


A depender do caso concreto, a quantidade de pés de maconha apreendidos por si só não é suficiente para configurar tráfico, tampouco para afastar o art. 28. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já decidiram que a análise deve ser feita com base em circunstâncias objetivas, e não apenas na quantidade. Isso significa que o cultivo doméstico, ainda que com um número razoável de plantas, pode ser enquadrado como uso próprio se não houver elementos que indiquem finalidade de distribuição.


Por fim, é necessário pontuar que o crime do inciso II não exige que a droga tenha sido efetivamente produzida. A simples colheita ou cultivo, sem qualquer fabricação ou comercialização posterior, já caracteriza o delito, desde que demonstrada a destinação ilícita das plantas. 


DO CRIME DE UTILIZAÇÃO DE LOCAL PARA O TRÁFICO (art. 33, §1º, III, LD)


O inciso III do §1º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 trata de uma modalidade específica de tráfico de drogas voltada à utilização de imóvel, veículo ou qualquer outro local para o tráfico. O tipo penal é claro ao prever como crime a conduta de:


Usar local ou bem de qualquer natureza de que tem a posse, propriedade, administração, guarda ou vigilância, para o tráfico ilícito de drogas”.


A inclusão dessa forma autônoma de tráfico na Lei de Drogas busca atingir aquele que facilita a prática do tráfico mediante cessão ou uso de um espaço físico ou móvel, tornando-se peça essencial na cadeia criminosa. O legislador quis punir não apenas o traficante que vende ou transporta a droga, mas também quem viabiliza o local onde a atividade se desenvolve.


Para que se configure o delito, é necessário que o agente tenha o domínio do bem ou do local, seja como proprietário, possuidor, administrador, guardião ou vigilante, e consinta ou use conscientemente esse espaço para atividades relacionadas ao tráfico. Assim, a posse ou propriedade do bem não é suficiente: é indispensável que exista o dolo específico de permitir ou utilizar o local para o tráfico.


Nesse contexto, destaca-se a relevância da prova do elemento subjetivo: é indispensável demonstrar que o agente tinha ciência da prática criminosa e contribuiu voluntariamente para sua realização. O simples fato de um imóvel ou veículo estar sendo usado para o tráfico não basta, se não ficar provado que o proprietário ou possuidor tinha conhecimento e anuência.


O bem jurídico protegido permanece sendo a saúde pública, mas aqui a lei pune uma faceta indireta do tráfico, ou seja, o suporte material que possibilita ou facilita a circulação de drogas. O crime é considerado meio necessário para o cometimento de outras condutas previstas no caput.


A pena prevista é a mesma do tráfico em sentido estrito: reclusão de 5 a 15 anos, mais multa de 500 a 1.500 dias-multa, e o delito também é equiparado a hediondo, atraindo todas as consequências típicas.


A depender das circunstâncias, o juiz poderá reconhecer a causa de diminuição de pena do §4º, caso o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Assim, mesmo na utilização de local, pode haver redução de pena de 1/6 a 2/3, afastando-se o caráter hediondo.


É relevante observar que, em algumas situações, o inciso III pode coexistir com outros crimes, como associação para o tráfico (art. 35) ou mesmo organização criminosa (Lei 12.850/2013), desde que presentes os elementos de cada figura típica.


Assim, a utilização de local para o tráfico demonstra a amplitude da repressão penal, que busca atingir não apenas o ato de vender ou portar drogas, mas todo o suporte logístico que viabiliza o comércio ilegal de entorpecentes — desde a plantação, passando pela guarda e transporte, até a disponibilização de espaços para comercialização.


DA VENDA OU ENTREGA A AGENTE POLICIAL DISFARÇADO (art. 33, §1º, IV, LD)


O inciso IV do §1º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 foi introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) e trouxe para o texto legal uma hipótese específica de infiltração policial como técnica de investigação e repressão ao tráfico de drogas. O dispositivo prevê como crime vender ou entregar drogas, matéria-prima, insumo ou produto químico a agente policial disfarçado, desde que presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.


O objetivo do legislador foi legitimar operações de flagrante controlado, criando uma base legal para o uso de policial disfarçado que se passa por comprador ou destinatário da droga. Ao fazer isso, o legislador tentou afastar a vedação do flagrante preparado, prevista na Súmula 145 do STF, que determina que o flagrante preparado configura crime impossível. Para contornar isso, exigiu-se que a conduta criminosa já existisse antes do contato com o agente infiltrado, não podendo o policial ser o provocador único do crime.


Em termos de tipo penal, o núcleo da conduta é o mesmo do tráfico comum: vender ou entregar drogas ou insumos para sua preparação sem autorização ou em desacordo com a legislação. A peculiaridade é o sujeito passivo específico — o agente policial disfarçado — e a exigência de pré-existência de indícios razoáveis da atividade criminosa.


A ideia era proteger a legalidade da prova, garantindo que a atuação disfarçada não se tornasse um mero estímulo ou induzimento do crime. Na teoria, o legislador buscou punir quem já possuía a droga ou insumo com intuito de comercialização, de modo que a venda ou entrega fosse apenas mais um ato dentro de uma prática criminosa em andamento.


No entanto, essa inovação legal é duramente criticável do ponto de vista técnico. Na prática, o inciso IV acabou por legitimar justamente aquilo que deveria ser vedado: o flagrante preparado. Ainda que o texto exija prova de conduta preexistente, na realidade o policial não tem a intenção real de adquirir a droga — seu objetivo é apenas flagrar e prender o investigado. Logo, a consumação da entrega ou venda só ocorre porque a autoridade provoca a situação, sem qualquer risco de circulação real do entorpecente.


Outro ponto problemático é que o alvo da operação pode não ser um traficante real, mas sim alguém que estava apenas portando droga para consumo próprio (art. 28), sem intenção de vender, mas que, diante da abordagem insistente do policial disfarçado, acaba cedendo à oportunidade. Nesses casos, a conduta não existiria sem a atuação estatal, o que evidencia o vício do flagrante preparado: o crime não se desenvolveria espontaneamente.


A pena, assim como nas demais hipóteses de tráfico, é de reclusão de 5 a 15 anos, mais multa de 500 a 1.500 dias-multa, com equiparação a crime hediondo. Também se aplicam todas as restrições: regime inicial fechado, progressão mais severa, vedação de benefícios substitutivos ou sursis, salvo quando cabível o tráfico privilegiado do §4º.


Do ponto de vista defensivo, a principal discussão gira em torno da ilicitude da prova. Para ser válida, a operação exige autorização judicial prévia, demonstração documental da conduta criminosa preexistente e total controle para afastar abusos. Se não houver elementos objetivos de prática anterior e recente do tráfico, a prova obtida pode ser anulada por violar garantias fundamentais e resultar em crime impossível.


Assim, embora tenha buscado fornecer mais uma ferramenta para o combate ao tráfico, o inciso IV revela-se, na prática, um retrocesso jurídico: legitima situações que o próprio Supremo Tribunal Federal há muito considera inválidas, abrindo brechas para indução e abuso de poder sob o pretexto de infiltração policial. A tentativa de corrigir o vício do flagrante preparado, mirando na posse anterior como núcleo da infração, não elimina o fato de que a ação estatal pode ser o único fator desencadeante da venda, retirando do investigado a espontaneidade essencial para a consumação do crime.


DO INCENTIVO AO USO (art. 33, §2º, LD)


O §2º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 dispõe que: "Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga", trata-se de tipo penal autônomo dentro da Lei de Drogas, ainda que incluído no mesmo artigo que regula o tráfico. A pena prevista é de detenção, de 1 a 3 anos, e multa de 100 a 300 dias-multa.

A conduta aqui criminalizada não se confunde com o tráfico propriamente dito. O legislador buscou punir de maneira mais branda aquelas situações em que o agente não comercializa nem distribui drogas, mas exerce algum tipo de influência psicológica ou material para que outra pessoa faça uso de substâncias ilícitas. Assim, é possível afirmar que o §2º tutela o bem jurídico da saúde pública, mas em uma dimensão mais restrita: a proteção do indivíduo diante da indução de terceiros ao consumo.

Elementos da conduta:

  • Induzir: é levar alguém a iniciar o uso de drogas, despertar a ideia na mente do outro. Exemplo: convencer um amigo a experimentar maconha pela primeira vez.
  • Instigar: significa reforçar uma ideia já existente, incentivando a prática. Exemplo: estimular um usuário a consumir novamente ou em maior quantidade.
  • Auxiliar: consiste em prestar auxílio material para o uso, como preparar o cigarro de maconha ou oferecer um cachimbo para o consumo de crack.

Note-se que a lei não exige que a vítima efetivamente faça uso da droga; basta a prática de qualquer das condutas descritas para a consumação do crime. Entretanto, na doutrina e na jurisprudência, discute-se a necessidade de comprovação da efetiva indução ou instigação, afastando a tipicidade em meras conversas informais sem potencialidade de influenciar.

Pena e natureza do crime

A pena, de detenção de 1 a 3 anos, mostra que se trata de um crime de menor gravidade em comparação ao tráfico do caput, o que revela a intenção do legislador de diferenciar a figura do traficante da figura de quem apenas exerce influência sobre terceiros. Por essa razão, o crime do §2º não é equiparado a hediondo, e admite benefícios como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a suspensão condicional do processo e até mesmo o sursis, conforme o caso concreto.

Críticas doutrinárias

A principal crítica que se faz a este dispositivo é a sua amplitude excessiva. A redação permite abarcar situações banais, como conversas entre jovens em um ambiente festivo, nas quais um apenas sugere ao outro experimentar determinada droga. O risco de criminalização simbólica é evidente: pune-se uma conduta que, muitas vezes, não gera repercussão social relevante, mas que é incluída na lei em razão da política criminal de tolerância zero contra as drogas.

Outro ponto discutido é a dificuldade de comprovação do dolo. É necessário demonstrar que o agente tinha real intenção de induzir ou instigar ao uso indevido, e não apenas fez um comentário despretensioso ou jocoso. Essa linha tênue entre a mera fala sem relevância e a verdadeira instigação costuma gerar controvérsias no processo penal.

Por fim, há que se considerar que o §2º representa mais um exemplo do caráter seletivo da Lei de Drogas, pois, na prática, costuma atingir pessoas em contextos sociais vulneráveis, sem que se ataque de forma efetiva os grandes agentes do tráfico.

Curiosidade: A Marcha da Maconha e o direito de manifestação

Um tema interessante relacionado ao §2º é a Marcha da Maconha, movimento que acontece em várias cidades brasileiras, no qual grupos se reúnem para reivindicar a legalização da cannabis.

Durante muito tempo, promotores e juízes entenderam que a Marcha configuraria o crime do art. 33, §2º, sob o argumento de que os organizadores estariam “induzindo” ou “instigando” ao uso de drogas. Com base nisso, vários atos foram proibidos judicialmente no início dos anos 2000.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em 2011 (ADPF 187), decidiu que a Marcha da Maconha não configura crime, pois se trata de exercício da liberdade de expressão e de reunião prevista na Constituição Federal. O STF ressaltou que os manifestantes não estavam distribuindo drogas nem incentivando diretamente o consumo, mas sim defendendo uma mudança legislativa.

Assim, a Marcha passou a ser juridicamente protegida como uma manifestação política e cultural legítima, e não um ato de instigação ao uso. Essa decisão foi um marco, pois delimitou a aplicação do §2º, reforçando que a criminalização não pode atingir o direito constitucional de questionar a política de drogas vigente.

CESSÃO GRATUITA DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL (art. 33, §3º, LD)

O §3º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 prevê: "Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem". A pena cominada é de detenção de 6 meses a 1 ano, e pagamento de 700 a 1.500 dias-multa, além das penas previstas no art. 28 (uso pessoal).

Este dispositivo cria um tipo penal específico para situações de compartilhamento eventual de drogas, quando não há intuito de lucro nem finalidade comercial. Diferentemente do tráfico, aqui não há atividade organizada ou repetitiva, mas apenas o ato de oferecer droga a alguém próximo para uso conjunto.

Elementos do tipo penal

  • Oferecer: disponibilizar a droga para outra pessoa, sem cobrança, sem intenção de venda ou troca.
  • Eventualmente: de forma esporádica, sem habitualidade ou continuidade. Ocorre em circunstâncias isoladas, como em uma festa ou encontro social.
  • Sem objetivo de lucro: a conduta não pode estar ligada a comércio ou vantagem econômica. Qualquer indício de obtenção de lucro descaracteriza o §3º e configura o tráfico do caput.
  • Pessoa de seu relacionamento: exige vínculo prévio entre agente e destinatário (amizade, coleguismo, convívio social). Não se admite a oferta a desconhecidos, pois isso aproximaria a conduta do tráfico.
  • Para juntos consumirem: a droga deve ser oferecida para consumo compartilhado, ou seja, o agente também participa do uso. Se o agente apenas entrega a droga para que outro consuma sozinho, a conduta se enquadra no tráfico.

Exemplo prático: um estudante leva pequena quantidade de maconha para uma festa e oferece a um amigo próximo, sem cobrar nada, para que ambos fumem juntos.

Pena e regime jurídico

A pena prevista é de detenção de 6 meses a 1 ano, além de multa elevada (700 a 1.500 dias-multa). O legislador adotou uma postura peculiar: ainda que se trate de uma conduta menos grave que o tráfico, a quantidade mínima de multa é superior àquela aplicada ao próprio traficante do caput (500 dias-multa). Essa desproporcionalidade é alvo de críticas doutrinárias.

Além disso, o §3º expressamente determina a aplicação cumulativa das sanções do art. 28, ou seja, medidas educativas e de prestação de serviços à comunidade destinadas ao usuário. Assim, quem compartilha a droga eventualmente também será tratado como usuário, somando duas espécies de sanção.

Críticas doutrinárias

A doutrina critica fortemente a existência desse tipo penal por diversos motivos:

  • Criminalização excessiva: a conduta é muitas vezes de mínima ofensividade, relacionada a consumo pessoal entre amigos, mas ainda assim é tratada como crime.
  • Desproporcionalidade da multa: a multa mínima é mais elevada que a do tráfico, gerando um contrassenso legislativo.
  • Duplicidade sancionatória: aplicar cumulativamente as penas do art. 28 (usuário) e a pena de detenção cria um tratamento mais severo para o compartilhamento eventual do que para o tráfico privilegiado.
  • Dificuldade prática: distinguir entre o compartilhamento eventual e o tráfico por vezes depende apenas de presunções da autoridade policial, o que pode levar a enquadramentos equivocados.

Na prática forense, é comum que o Ministério Público busque enquadrar condutas típicas do §3º como se fossem tráfico de drogas, ampliando de forma artificial a repressão penal. Isso ocorre porque muitos fatos concretos, como oferecer pequena quantidade de droga a um amigo em uma festa, se ajustam perfeitamente ao §3º, mas são denunciados como tráfico, sob a alegação de que houve “entrega” de entorpecente.

Esse raciocínio, porém, desconsidera os elementos essenciais que diferenciam as figuras típicas. O tráfico pressupõe finalidade mercantil ou difusão mais ampla da droga na coletividade, enquanto o §3º descreve conduta restrita, sem intuito de lucro, em ambiente de intimidade ou relacionamento pessoal, voltada ao consumo compartilhado.

A insistência ministerial em tipificar tais casos como tráfico ignora a ratio legis, transformando o compartilhamento eventual em uma conduta com consequências penais desproporcionais. Trata-se de uma postura que revela o viés expansionista e punitivista do Ministério Público na aplicação da Lei de Drogas, muitas vezes em prejuízo da correta subsunção típica e da própria segurança jurídica.

Assim, cabe à defesa técnica e ao Judiciário resistirem a essa prática, garantindo que condutas de mínima ofensividade, destinadas ao uso conjunto, não sejam equiparadas ao tráfico, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade e de perpetuação da seletividade penal que marca o sistema de repressão às drogas no Brasil.

DO ARTIGO 33, §4º, DA LEI DE DROGAS – O TRÁFICO PRIVILEGIADO

O §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 dispõe: "Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."

Esse dispositivo é conhecido como tráfico privilegiado. Ele não cria um novo crime, mas sim uma causa especial de diminuição de pena, aplicável a determinadas situações em que o agente, embora pratique o tráfico, não apresenta perfil de criminoso habitual ou vinculado a organizações.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já firmaram entendimento de que o §4º trata de causa de diminuição de pena e não de um tipo penal autônomo. Assim, primeiro se reconhece a prática do crime de tráfico (art. 33, caput ou §1º), e só depois o juiz avalia se o condenado preenche os requisitos para aplicação da minorante.

Requisitos: a aplicação da causa de diminuição exige a presença cumulativa de quatro requisitos:
  • Primariedade – o agente não pode possuir condenação criminal transitada em julgado.
  • Bons antecedentes – o histórico do réu não pode demonstrar envolvimento prévio com atividades ilícitas relevantes.
  • Não dedicação a atividades criminosas – não basta ser primário, é necessário que não haja indícios de que o agente se envolva de forma reiterada com o tráfico ou outras condutas criminosas.
  • Não integrar organização criminosa – caso comprovado o vínculo com organizações criminosas, a minorante não pode ser aplicada.
Exemplo prático: um indivíduo, primário e com bons antecedentes, é flagrado transportando cocaína para entrega a um terceiro, sem vínculos com organizações criminosas. Nesse caso, aplica-se o §4º, com redução significativa da pena.

Consequências na pena

O juiz pode reduzir a pena de 1/6 a 2/3. A escolha do percentual depende das circunstâncias concretas, como a quantidade de droga, a forma de atuação e o grau de envolvimento do réu.

Quanto mais favoráveis as condições (pequena quantidade, ausência de estrutura criminosa), maior a redução (até 2/3).

Quanto mais desfavoráveis (grande quantidade, indícios de habitualidade), menor a redução (1/6).

Na prática, a aplicação do §4º pode transformar uma pena de 5 anos em algo próximo a 1 ano e 8 meses, permitindo o regime inicial aberto e até a substituição por penas restritivas de direitos.

Tráfico privilegiado é crime hediondo?

Durante muito tempo houve discussão sobre a natureza do tráfico privilegiado. A jurisprudência oscilou até que, em 2016, o Supremo Tribunal Federal (HC 118.533) fixou o entendimento de que o tráfico privilegiado não é crime equiparado a hediondo.

Críticas e relevância prática

O §4º é visto por muitos doutrinadores como uma válvula de escape contra o rigor excessivo da Lei de Drogas, que pune de forma muito dura até mesmo pequenos traficantes ocasionais. Ao mesmo tempo, críticos afirmam que a redação é vaga, especialmente na expressão “não se dedique a atividades criminosas”, o que dá margem a subjetivismos e amplia o poder discricionário do Judiciário.

Na prática, a aplicação ou não do §4º pode significar a diferença entre um réu cumprir pena em regime fechado por anos ou receber uma pena substituída por prestação de serviços. Por isso, trata-se de um dos dispositivos mais debatidos e litigados em toda a Lei de Drogas.

Outro ponto que merece destaque é a expressão “tráfico privilegiado”, amplamente utilizada pela doutrina, jurisprudência e até mesmo pela mídia. Apesar da popularidade, trata-se de um termo impróprio. O §4º do art. 33 não concede nenhum “privilégio” ao condenado, mas apenas reconhece uma causa de diminuição de pena diante da ausência de elementos que caracterizem maior reprovabilidade na conduta.

O termo mais adequado, portanto, é “tráfico minorado”, já que o legislador apenas modulou a resposta penal para hipóteses de menor gravidade, sem qualquer conotação de benefício pessoal. Chamar de “privilegiado” pode dar a falsa impressão de favor legal indevido, quando na verdade se trata de um mecanismo de justiça e proporcionalidade na aplicação da pena.

Outro aspecto importante é o caráter obrigatório da aplicação da minorante, quando presentes os requisitos legais. Não se trata de mera faculdade do juiz, mas de um verdadeiro poder-dever jurisdicional. Havendo primariedade, bons antecedentes, ausência de dedicação criminosa e inexistência de vínculo com organização criminosa, o julgador não pode negar a redução com base em juízos morais ou subjetivos, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

A margem de discricionariedade judicial existe apenas na definição do quantum de redução (de 1/6 a 2/3), mas não quanto ao reconhecimento da causa de diminuição em si. Negar o benefício quando preenchidos os requisitos é decisão ilegal, passível de reforma pelas instâncias superiores.

DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 34 DA LEI DE DROGAS

O artigo 34 da Lei nº 11.343/2006 incrimina aquele que fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamenta. A pena prevista é de 3 a 10 anos de reclusão, além do pagamento de 1.200 a 2.000 dias-multa.

A finalidade deste dispositivo é coibir não apenas a circulação da droga em si, mas também toda a estrutura material que viabiliza sua produção, atingindo condutas acessórias e preparatórias da atividade de tráfico. Trata-se, portanto, de uma forma de desmantelar a logística do mercado ilícito antes mesmo da apreensão da substância entorpecente.

O bem jurídico protegido continua sendo a saúde pública, mas aqui de maneira indireta, pois a lesão não decorre do consumo, mas da potencialidade de produção em larga escala. Nesse sentido, a simples posse ou fabricação de equipamentos voltados à produção de drogas já representa, para o legislador, um risco relevante o suficiente para justificar a intervenção penal.

Importante frisar que se trata de crime que independe de finalidade lucrativa. Não é necessário que o agente vise obter vantagem econômica com a conduta, bastando que esteja em poder de equipamentos ou instrumentos voltados à fabricação ilícita de entorpecentes. Essa característica reforça o caráter preventivo e rigoroso da norma.

Por ser crime que deixa vestígios, a perícia é obrigatória. Não basta a mera constatação policial de que o objeto se destinava à produção de drogas. O exame pericial deve comprovar que o maquinário ou instrumento apreendido tinha, de fato, como finalidade específica a fabricação ou preparação de entorpecentes. A ausência dessa perícia compromete a prova da materialidade do delito, podendo levar à absolvição do acusado.

O crime é classificado como de perigo abstrato, uma vez que não se exige a efetiva fabricação da droga para sua consumação. Basta que os objetos possuam destinação inequívoca à produção ilícita. Essa característica é alvo de críticas doutrinárias, pois amplia o alcance do direito penal para além de situações concretamente lesivas, punindo condutas que, em tese, poderiam ser neutras ou até mesmo lícitas. Um exemplo recorrente é a apreensão de prensas, balanças de precisão ou tubos de ensaio, instrumentos que possuem usos industriais e laboratoriais legítimos, mas que, diante do contexto da investigação, são interpretados como destinados ao tráfico.

A severidade da pena, que parte de três anos de reclusão e pode chegar a dez, além da alta quantidade de dias-multa, demonstra a preocupação legislativa em equiparar a gravidade dessa conduta a outros crimes centrais da Lei de Drogas, tratando-a como um elo essencial na cadeia de produção e comercialização ilícita.

Não obstante, a doutrina questiona se o legislador não teria incorrido em um excesso punitivo ao criminalizar de forma tão ampla condutas que podem ter explicação diversa e até lícita. A antecipação da tutela penal, neste caso, reforça a tendência expansionista do sistema de repressão às drogas, que muitas vezes recai sobre pessoas em situações marginais, mas não alcança de forma eficaz os grandes centros de produção e tráfico internacional.

DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ART. 35 DA LEI DE DROGAS)

O artigo 35 da Lei nº 11.343/2006 dispõe:

"Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 desta Lei: Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 a 1.200 dias-multa."

Esse crime foi instituído para punir a união estável e permanente entre indivíduos voltada à prática de tráfico de drogas ou de delitos acessórios, como a fabricação de instrumentos destinados à sua produção. O objetivo do legislador é reprimir não apenas os atos isolados de tráfico, mas também a estrutura organizacional mínima que possa viabilizar ou potencializar a circulação de entorpecentes.

Diferencia-se da mera coautoria ou participação no tráfico, porque exige animus associativo, ou seja, a vontade de se unir de maneira estável e permanente para a prática do crime. Não basta, portanto, que duas pessoas se juntem ocasionalmente para vender drogas em um evento ou realizar uma única entrega; é necessário que haja uma convergência de vontades duradoura, um compromisso de continuidade delitiva.

O bem jurídico tutelado continua sendo a saúde pública, mas aqui também se agrega a proteção contra a formação de grupos voltados à prática criminosa, ainda que em escala menor que as organizações criminosas descritas na Lei nº 12.850/2013.

Um ponto importante: o crime de associação para o tráfico não é considerado hediondo, diferentemente do tráfico de drogas em si. Isso significa que, embora tenha pena alta, não sofre as restrições próprias dos crimes hediondos, como progressão mais rigorosa de regime ou vedação de indulto em determinadas hipóteses.

Não obstante, a aplicação prática do art. 35 é alvo de severas críticas. Muitos processos apresentam denúncias genéricas em que o Ministério Público imputa simultaneamente tráfico e associação sem que haja elementos concretos que demonstrem a existência do vínculo estável. Frequentemente, a simples presença de dois acusados no mesmo contexto fático é utilizada como fundamento para a acusação de associação, o que viola o princípio da correlação entre fatos e tipos penais.

O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que a simples coautoria no tráfico não configura, por si só, associação para o tráfico. É imprescindível a comprovação do animus associativo e da estabilidade do vínculo. Sem isso, a acusação se torna mero artifício de ampliação do rigor penal, servindo mais à lógica punitivista do que ao devido processo legal.

Esse uso inflacionado do art. 35 contribui para o encarceramento em massa e para a seletividade penal característica da política de drogas no Brasil, atingindo sobretudo jovens e pessoas de baixa renda, muitas vezes sem participação estrutural em esquemas de tráfico, mas criminalizadas como se fizessem parte de organizações duradouras.

Quadro comparativo: associação para o tráfico x associação criminosa (art. 288 do CP):


Esse quadro evidencia que, embora ambos os crimes tenham como núcleo o animus associativo, a associação para o tráfico é muito mais severamente punida, refletindo a política de endurecimento da Lei de Drogas.

(continua semana que vem)

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