ANPP: o que é, quando cabe e por que você (advogado, estudante ou leigo) precisa entender esse acordo
Artigos outubro 15, 2025
ANPP (Acordo de Não Persecução Penal) vem ganhando espaço como uma alternativa ao processo penal tradicional, especialmente em crimes de menor gravidade. Apesar de ser relativamente novo no ordenamento jurídico, ainda existe muita dúvida entre estudantes de Direito, jovens advogados e, principalmente, entre as pessoas que são intimadas para participar de uma audiência para celebração desse acordo. Entender o que ele é, quando cabe e quais são seus efeitos é essencial para orientar com responsabilidade e tomar decisões conscientes.
O ANPP está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal e permite que o Ministério Público deixe de oferecer denúncia antes da instauração da ação penal, desde que determinados requisitos estejam presentes. Em outras palavras, é uma forma de resolver o conflito sem transformar o investigado em réu, evitando um processo que poderia se arrastar por anos e gerar uma condenação.
Para que o acordo seja possível, é necessário que o crime não envolva violência ou grave ameaça e tenha pena mínima inferior a quatro anos. Também é exigido que o investigado não seja reincidente específico ou envolvido em prática criminosa habitual, e que ele confesse formalmente o fato. Quando esses elementos se alinham, o Ministério Público pode propor condições como pagamento de multa, reparação do dano, prestação de serviços ou outras obrigações compatíveis com o caso.
Na prática, muitas pessoas intimadas para ANPP comparecem ao Ministério Público sem saber do que se trata. Chegam confusas, acreditando que já estão condenadas ou que precisam assinar qualquer proposta para “se livrar do problema”. O risco maior está justamente aí: quem não tem orientação pode confessar algo que não entende, assumir obrigações que não pode cumprir ou abrir mão de uma defesa possível. E é importante esclarecer: a presença de advogado ou defensor público não é opcional, é obrigatória. Sem essa assistência jurídica, o acordo não pode ser celebrado.
Outro ponto que costuma gerar insegurança é a exigência de confissão. O investigado precisa admitir formalmente o fato para que o ANPP seja firmado, mas essa confissão não pode ser usada contra ele em eventual processo judicial, caso o acordo seja descumprido ou não homologado. A lei deixa claro que essa manifestação serve apenas para viabilizar o acordo, e não como prova automática de culpa futura.
Do ponto de vista técnico, o acordo traz vantagens evidentes. Evita um processo criminal, não gera condenação e pode encerrar a questão com mais rapidez e menos desgaste. Para o advogado iniciante, ele pode ser uma ferramenta estratégica importante, desde que usado com cautela e não como resposta automática. É preciso analisar se o caso realmente se enquadra, se a confissão é adequada e se as condições impostas são proporcionais.
No entanto, também existem pontos delicados. A exigência de confissão gera dilemas éticos e jurídicos, especialmente quando o cliente nega os fatos ou quando há elementos para absolvição. Além disso, o descumprimento do acordo pode levar à retomada do processo, muitas vezes em situação menos favorável. Há ainda a disparidade de aplicação entre diferentes regiões do país, com promotores que dificultam o acordo ou impõem obrigações excessivas.
Por isso, o papel do advogado, especialmente o jovem profissional que está construindo sua atuação, é orientar com clareza. É preciso explicar ao cliente, sem termos técnicos desnecessários, o que muda na vida dele ao aceitar o acordo, quais serão suas obrigações e quais efeitos essa decisão pode ter no futuro. Também cabe ao profissional discutir as condições, negociar o que for adequado e recusar quando for desvantajoso.
Para quem é leigo e recebe uma intimação para ANPP, o mais importante é compreender que não se trata de condenação. O comparecimento não significa culpa e ninguém é obrigado a assinar sem entender. O Ministério Público fará uma proposta, mas cabe ao investigado, com auxílio do advogado ou defensor público, decidir se aceita ou não.
O ANPP não é benevolência nem punição disfarçada. É uma alternativa ao processo penal que, quando bem utilizada, traz rapidez, proporcionalidade e menos desgaste ao investigado e ao sistema de justiça. Mas, como toda decisão jurídica, exige reflexão, orientação técnica e consciência das consequências.
Para estudantes e jovens advogados, dominar o tema não é mais opcional. É parte da atuação responsável, do compromisso ético com o cliente e do preparo necessário para lidar com um sistema que ainda pune mal, pune muito e nem sempre pune certo. E para o cidadão comum, entender o mínimo sobre o acordo é um passo para não ser conduzido por medo, ignorância ou precipitação.